sexta-feira, 3 de julho de 2015

chez Chantal, St. Mary Cray, perto de Londres
Dobras, fissuras e tectônica de provas


Infinita diversidade, mas só em algumas combinações
Estamos, eu e minha bicicleta, novamente a caminho de Londres e arredores para colaborações científicas várias. Estamos também, porém, no final do semestre, com a concomitante pilha de provas e relatórios para corrigir. Ao longo da semana, a medida em que as turmas iam fazendo suas provas a pilha aumentava; a minha caneta vermelha só lentamente erodindo o monte que se formava.

Era soterrado pela correção de provas que eu me encontrava em minha sala, correndo contra o relógio no dia em que iria embarcar. E a caneta riscava e cortava, enquanto eu grunhia em reprovação aos erros desnecessários e tentava decifrar caligrafias hieroglíficas, quando meu celular e meu computador começaram a apitar em unissono. A atividade no meu Facebook, por alguma razão, estava pululando com pedidos de amizade de completos desconhecidos, menções a meu nome e avisos de postagem. Demorei um pouco para entender que isto tudo era a consequência do interesse gerado por um paper que escrevi com a Suzana, e que havia há pouco minutos sido publicado online na Science.

A pouco mais de uma ano, eu e a Suzana estamos trabalhando em um projeto para tentar entender como o cortex cerebral dos mamíferos se dobram. É cada um do seu jeito? Existem padrões comuns entre diferentes grupos? Ou há um padrão universal? Questões de óbvio interesse biológico, certamente, mas porque isto seria de interesse para um físico? Acontece que regularidades, mesmo aproximada, entre objetos que a princípio deviam ser díspares (tal como o espectro da radiação emitida por corpos diversos quando aquecido) muitas vezes são consequencia de algum principio fundamental ainda não explicitado.  Física nova, na acepção mais ampla do termo. A tal radiação térmica era evidência da natureza fundamentalmente quântica da matéria e energia em pequenas escalas. Quais novos princípios físicos um entendimento teórico da neurociência poderiam inspirar? Eu não sei, mas gostaria muito de descobrir...

Cada ponto é uma espécie diferente. Se você é um
mamífero, está em algum lugar desta reta
Bom, de volta ao cortex. O que conseguimos mostrar foi que, se levarmos em conta somente a maneira como a expansão do cortex alonga os axônios, e que a superfície cortical não pode se auto-interceptar (seria preciso rasgar o cortex para isso), é possível encontrar uma relação entre a área total do cortex, sua área exposta e espessura, que vale (como verificamos) para todos os mamíferos. É como se os axônios tentassem enrugar o cortex mais e mais e o contato entre pedaços diferentes da superfície tivesse o efeito contrário. A configuração real dos cortices é exatamente aquela em que estas duas tendências estão em equilíbrio. Não importa se o seu cérebro é liso, como em um camundongo, ou dobrado, como o nosso. A regra é a mesma, a física é a mesma.


Além disso, a forma exata da relação implica em que a única escala de tamanho que define se e o quanto o córtex será dobrado é a sua espessura. Isto significa que, se usarmos a espessura como nossa régua, então existe uma área crítica (medida em múltiplos da espessura ao quadrado); abaixo dela o cortex não se dobra. Acima, ele se dobra.

Existe outro sistema físico que pode ser entendido como uma superfície de espessura finita auto-evitante sob compressão, e cuja escala de tamanho característica é dada pela espessura. Um sistema físico amplamente disponível nos quais experimentos são muito mais simples do que no cérebro. Bolinhas de papel...



Papel, de fato, era o que eu tinha em mente naquele dia. Uma pilha interminável de papeis, cobertos pelos alunos com fórmulas, números e gráficos. Na minha usual afobação para chegar a tempo do vôo sem esquecer nada de essencial, tive que levar um maço de provas para corrigir no avião. Assim que terminar, envio a pilha por correio de volta ao Brasil. Me desejem sorte. E aos meu alunos também...

PS: Alguns artigos de divulgação interessantes sobre o artigo aqui, aqui e aqui



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